28/06/11

A Fonte da Ignorância - em defesa da Educação de Adultos

Vale a pena lembrar que, embora haja uma vasta diferença
entre nós no que diz respeito aos fragmentos que conhecemos,
somos todos iguais no infinito da nossa ignorância.
Karl Popper


Voltamos a este espaço, depois de promessas sempre adiadas e de boas intenções de crónicas que nunca o chegaram a ser.



No momento político actual, usurpamos a frase de Popper, não com intuitos de discussão filosófica, mas sobretudo para a argumentação em defesa de um fenómeno essencial para o desenvolvimento da sociedade portuguesa na última década: a Iniciativa Novas Oportunidades. Vale a pena lembrar, como sustenta o cientista, somos todos iguais no infinito da nossa ignorância. Quase tão antiga como a filosofia ocidental será essa "douta ignorância", a qual, de forma simplista, passa pelo assumir do que não conhecemos para, a partir aí, questionarmos o mundo. Todavia, alguns entre os mortais, sobretudo na acção política, pensam ser "donos de verdades irrefutáveis" desconhecendo os limites intelectuais da condição humana. Com "telhados de vidro", na forma atabalhoada da verbalização do seu discurso ou até com debilidades na expressão escrita, os putativos líderes das "massas descontentes" insultam a população sem conhecimento de causa, ou seja com "vil ignorância". Para além disso, nesta sociedade que reproduz, infelizmente, desigualdades, também em matéria de ignorância alguns são mais iguais do que os outros.



Abandonemos a ironia, o assunto é bastante sério. Não nos cabe aqui fazer uma síntese histórica dos últimos 100 de políticas para a Educação de Adultos em Portugal. De qualquer modo, quer pelo número de pessoas envolvidas, quer pela real atribuição de ferramentas emancipatórias aos cidadãos, as Novas Oportunidades tornaram-se um facto incontornável da nossa sociedade neste início de século XXI. Será evidente que a real dimensão dos resultados sociais, culturais ou económicos, deste programa só poderá ser avaliada a médio ou a longo prazo. Aliás, só de um ponto de vista histórico ou sociológico poderemos auferir o verdadeiro impacte no todo social do processo actual, o qual hoje envolve cerca de 1.500 000 cidadãos. E não nos referirmos apenas ao retorno individual e social da melhoria das qualificações dos portugueses, mas também a avanços colaterais na sociedade, como por exemplo o incremento dos hábitos de leitura ou um maior ao apoio aos filhos em idade escolar.



Regressemos às críticas infundadas a esta iniciativa. Será necessário recordar que Hannah Arendt, noutro contexto, sustentou ser impossível educar adultos. Na verdade, no quadro do pensamento conservador Arendt, em certa medida, revelou os preconceitos ideológicos da direita em relação à instrução da população activa. O que está escondido por detrás do actual ataque infeliz às Novas Oportunidades é sobretudo a concepção imobilista do todo social, para a qual os bloqueios ao acesso à educação são úteis, porque não permitem a mobilidade social, nem a superação de condições desigualitárias, a priori. Quando todos sabemos que durante muitas décadas à maioria da população, sobretudo às mulheres, foi vedado o acesso ao ensino, por motivos políticos, ideológicos ou económicos, atacar um programa qualificador (dotado, entenda-se, de vários tipos de solução para a conclusão dos percursos formativos ou de reconhecimento de competências), para além de revelar desconhecimento da realidade, é uma monstruosidade intelectual.



A fonte da ignorância está em todos nós e nas nossas limitações enquanto seres dotados de razão. Contudo, pior que o ignorante que têm consciência da sua condição mas procura o saber, será aquele que dando ares de sapiência, nem conhece o significado das palavras que utiliza. A nós, enquanto cidadãos, urge defender um modelo alternativo de qualificação que veio, pela primeira vez, depois das experiências de Educação Popular do após 1974, atacar realmente o problema da Educação de Adultos, em Portugal.



A outra ignorância, aquela ignomínia crapulosa de que falava Garret, essa serve o interesse das direitas na defesa das elites, talvez por isso tantos se preocupem em vedar o acesso ao ensino. Uma população qualificada, procurará, cada vez mais, pensar sobre o mundo e esse é um perigo que muitos não estão dispostos a correr.


José R. Noras - JS Santarém

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